domingo, 7 de fevereiro de 2010

Jeremias, o Pastor (Parte II)

Após ser apedrejado, Jeremias, já curado, alimentou - à base de livros de Rousseau e rasga-mortalhas - durante muito tempo um ódio por Jesus Cristo, seu vizinho, e como o segundo tinha irregularidades diante do governo, Jeremias se viu obrigado a trair sua irmandade judaica e denunciar o crime de Jesus Cristo a Pôncio Pilatos. À critério de vingança. Como relatado na Cena I deste post.

CENA I

GUARDA: Jeremias para vê-lo, senhor.
PILATOS: Estou terminando de escrever uma nova canção, chamada Rebel, Rebel. Quer ouvi-la?
GUARDA: Ficaria maravilhado, senhor.
Pilatos toca a canção.
GUARDA: Estarrecedora, realmente, meu senhor. Dos elmos até o último fio das tranças de minhas sandálias legitimamente romanas, estou estupefato diante de tamanha magnificência musical, embora não entenda uma letra deste inglês ríspido. Espera conseguir elogios da NME e uma boa colocação na Billboard?
PILATOS: Apenas virar abertura do Jornal Nacional estaria bom, meu eficaz alferes. Manda entrar este tal pastor, Jeremias.
Entra Jeremias.
JEREMIAS: Salve, meu bom imperador.
PILATOS: Alto lá, desde já.
JEREMIAS: Meus modos são assim atabalhoados. Peço perdão.
PILATOS: Pois me deve em dobro. Primeiro: Não sou imperador, e sim apenas um prefeito de província, à presença do imperador, tal saudação custaria não apenas a sua cabeça, como também a minha, por ser relapso em minha função. Segundo: Judeu algum consideraria um imperador, um prefeito ou um procurador de origem romana em tamanha alta estima como tua frase de chegada faz subtender, cuidado com o que dizes se o que dizes não condiz com a verdade. Sê breve e loquaz, pois pela música meu cérebro dobra e estou em período de sesta. É verdade que o motivo de sua visita é o tal Messias de que tanto falam? Que consegue transformar água em vinho e água do mar em vinho salgado?
JEREMIAS: E água oxigenada em cerveja dinamarquesa também.
PILATOS: Fala.
JEREMIAS: Esse Messias tão benquisto pelas línguas judaicas em nosso tempo, tão esperado pelos da velha guarda quanto surpreendente para os da nova, tão temido pelo governantes e desejado pelos algozes, merece cadafalso se não por inflamar em demasia a ânsia do povo por revolução, por burlar a legislação romana em vigência vendendo ovelhas sem pagar impostos enquanto proclama ser reles marceneiro.
PILATOS: Mas o que fazes tu aqui?
JEREMIAS: Como assim, meu imperador? Relato um crime contra teu império.
PILATOS: Mesmo sendo filho do mesmo patriarca do qual o acusado também é filho?
JEREMIAS: Os motivos que tenho devem ser guardados em meu coração.
PILATOS: Para que assim ele inche, inche até explodir teu órgão e te escapar o sangue pelos olhos, narizes e todos os outros orifícios.
JEREMIAS: Mas que coisa horrível para um imperador andar falando.
PILATOS: Não sou imperador! Acho repugnante tua atitude de relatar um irmão. Por Deus, homem.
JEREMIAS: Mas deve puni-lo.
PILATOS: Sei que devo puni-lo mas ao mesmo tempo penso como fosse judeu, traído por meu próprio sangue. Vivo uma crise existencial no momento que esta estória se desenrola e imagino tal ato sendo perpetrado contra a minha própria pessoa.
JEREMIAS: Imagine o que quiser mas puna o Cristo Traficante de Ovelhas!
PILATOS: Punirei a ti. Guardas. Condeno este pastor traidor à crucifixão! E tragam-me o Cristo, que digo, Jesus, o tal Messias.

Cena II no próximo post.

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